Com a crescente utilização da internet e dos meios eletrônicos para o comércio, questão que se mostra de grande relevância é a aplicabilidade das regras contidas no Código de Defesa do Consumidor em tais relações
1. INTRODUÇÃO
Com o presente trabalho analisar-se-á as relações de comércio virtual, com destaque para os sites de compra coletiva, peer-to-peer e leilões, a fim de se encontrar as lacunas jurídicas existentes na aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nas compras via internet e digitais, com o escopo de identificar as várias modalidades de comércio na internet, relacionar quais modalidades de comércio estariam inseridas no âmbito de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, bem como apontar as lacunas jurídicas existentes no referidocodex com relação ao comércio eletrônico e virtual.
2. CONCEITOS DE CONSUMIDOR E FORNECEDOR
Assim como nas relações consumeristas tradicionais, também no comércio virtual, a fim de se identificar as partes participantes de um determinado negócio jurídico, é imprescindível delimitar-se o conceito de consumidor e fornecedor.
Ao artigo 2º da Lei Federal n.º 8.078/90, instituiu que consumidor “é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
A aquisição ou utilização de serviços não suscita maiores questionamentos, assim como também a pessoa jurídica reunir condições de ser classificada como consumidora.
Questão bastante controvertida, no entanto, diz respeito à acertada exegese da expressão “destinatário final” de um produto ou serviço.
Segundo a corrente doutrinária filiada à Teoria Finalista do Consumidor, o destinatário final do produto ou serviço é aquele que efetivamente retira de circulação o produto ou serviço, que não pode ser utilizado como insumo para uma atividade econômica, ou seja, como forma de geração de lucro ou transformação
Lado outro, segundo a Teoria Maximalista do Consumidor, sendo o produto ou serviço retirado de circulação, pouco importa se o mesmo será objeto de uso particular ou como insumo de atividade econômica, devendo sempre seu destinatário ser considerado consumidor.
A jurisprudência pátria, acompanhando entendimento pacificado pelo colendo Superior Tribunal de Justiça, vem firmando seu entendimento em estar correta a Teoria Finalista, ou seja, no sentido de que para que haja a figura do consumidor este não pode utilizar o produto ou serviço como insumo à atividade econômica que gere lucro.
Neste sentido a decisão do Ministro Luis Felipe Salomão, Relator do Recurso Especial 982.492/SP, in verbis:
“’DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SEGURO DE TRANSPORTE DE MERCADORIA. FATOS OCORRIDOS ANTES DA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 2002, QUE PASSOU A REGULAR O TRANSPORTE DE PESSOAS E COISAS. SINISTRO. INDENIZAÇÃO. SUB-ROGAÇÃO. SEGURADORA ASSUME A POSIÇÃO DA SEGURADA. RELAÇÃO MERCANTIL. INAPLICABILIDADE DAS REGRAS DO CDC.
1. A seguradora, arcando com a indenização securitária, está sub-rogada nos direitos de sua segurada, podendo, dentro do prazo prescricional aplicável à relação jurídica entabulada por esta, buscar o ressarcimento do que despendeu, nos mesmos termos e limites que assistiam à segurada.
2. No entanto, a relação jurídica existente entre a segurada e a transportadora ostenta nítido caráter mercantil, não podendo, em regra, ser aplicada as normas inerentes às relações de consumo, pois, segundo apurado pela instância ordinária, "o segurado utilizou a prestação de serviço da ré transportadora como insumo dentro do processo de transformação, comercialização ou na prestação de serviços a terceiros; não se coadunando, portanto, com o conceito de consumidor propriamente dito, mas sim pretendendo a exploração da atividade econômica visando a obtenção do lucro".
3. O Código Civil de 2002 regula o contrato de transporte de pessoas e coisas nos artigos 730 a 756. No entanto, a referida relação jurídica era anteriormente regulada pelo Decreto-Lei 2.681/1912, aplicando-se a prescrição ânua, conforme dispunha o art 9º do mencionado Diploma. Precedentes do STF e desta Corte.
4. Recurso especial não conhecido.”[1]
Por sua vez, disciplina o artigo 3º do mesmo codex que:
“fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.”
De forma mais ampla, fornecedor é toda aquela pessoa física ou jurídica, que de forma habitual e profissional, objetivando o lucro, pratica um dos atos de comércio previstos na norma.
No que toca ao comércio virtual são aplicados também os mesmos conceitos de consumidor e fornecedor, muito embora em determinadas situações, conforme se analisará, a relação seja de cunho estritamente civil, não se aplicando as regras consumeristas.
Há que se ressaltar, outrossim, que nas relações virtuais, além do Consumidor e Fornecedor, podemos identificar ainda outro agente: o Provedor.
É o Provedor que fornecesse acesso e armazenamento aos sites, além de controlar o fluxo de dados, bem como das comunicações via e-mail, intermediando assim, através de uma prestação de serviços, as relações entre consumidor e fornecedor.
É exatamente nestes casos, onde o provedor assume este papel de intermediador entre o consumidor e o fornecedor, que existem as maiores lacunas de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, que pouco a pouco vem sendo sanadas pela jurisprudência pátria.
3. MODALIDADES DE COMÉRCIO VIRTUAL
Várias são as modalidades de comércio virtual na atualidade, sendo cada vez mais crescente o número de internautas que se utilizam do computador para adquirir produtos e serviços sem a necessidade de sair de casa.
Entre estas diversas modalidades se pode citar a compra de produtos e serviços diretamente nos sites dos fornecedores no Brasil, nos sites dos fornecedores no exterior, em sites de leilões, sites de compras coletivas e as chamadas compras peer to peer.
Em cada uma delas, como se observará, existe uma peculiaridade que pode atrair ou afastar a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às relações travadas entre as partes.
3.1. DO COMÉRCIO EM SITES DE FORNECEDORES NACIONAIS
A mais comum das formas de se adquirir produtos e serviços pela internet é através dos sites criados pelos próprios fornecedores de produtos e serviços físicos, ou seja, trata-se de uma loja virtual que funciona como uma extensão ao estabelecimento comercial.
Em se tratando de fornecedores que possuem notório reconhecimento e abrangência, com lojas físicas espalhadas muitas vezes por todo o território nacional, praticamente inexistem dúvidas quanto à aplicação e eficácia do Código de Defesa do Consumidor nas relações entre as partes.
Não obstante, em muitos casos o consumidor se aventura em sites desconhecidos, com pouca ou nenhuma informação sobre a empresa que o mantém, assim como sobre sua idoneidade.
Nestes casos, embora seja o Código de Defesa do Consumidor plenamente aplicável, uma vez que apesar do meio utilizado ser virtual se vislumbra uma típica relação de consumo, muitas vezes o adquirente do produto ou serviço não consegue aplicar seus direitos em razão da ausência de informações do fornecedor ou mesmo inexistência da sociedade empresária.
Nestes casos, muito embora esteja a relação protegida pelas normas consumeristas pátrias, em havendo algum vício no produto ou serviço, o consumidor fica impossibilitado de exercer seus direitos, inexistindo na legislação atual meios de solucionar o problema.
A importância de que seja sanada tal lacuna encontrou resposta no Projeto de Lei 1.589/99, do Deputado Federal Luciano Pizzatto (PFL/PR), que traz em seu texto a previsão de que todos os sites de comércio eletrônico tenham obrigatoriamente que divulgar seu número de inscrição no CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, assim como outras informações que facilitem o contato e localização do fornecedor e segurança da transação, senão vejamos:
“Art. 4º - A oferta de contratação eletrônica deve conter claras e inequívocas informações sobre:
a) nome do ofertante, e o número de sua inscrição no cadastro geral do Ministério da Fazenda, e ainda, em se tratando de serviço sujeito a regime de profissão regulamentada, o número de inscrição no órgão fiscalizador ou regulamentador;
b) endereço físico do estabelecimento;
c) identificação e endereço físico do armazenador;
d) meio pelo qual é possível contatar o ofertante, inclusive correio eletrônico;
e) o arquivamento do contrato eletrônico, pelo ofertante;
f) instruções para arquivamento do contrato eletrônico, pelo aceitante, bem como para sua recuperação, em caso de necessidade; e
g) os sistemas de segurança empregados na operação.”
Espera-se que com a aprovação do referido Projeto de Lei seja fechada a lacuna mais importante no que toca ao comércio em sites de fornecedores nacionais que não é aplicação do Código de Defesa do Consumidor, em si, mas sim o contato e a localização do fornecedor para que a lei seja aplicada.
3.2. DO COMÉRCIO EM SITES DE FORNECEDORES NO EXTERIOR
A internet e o mundo virtual trouxe aos consumidores brasileiros uma experiência outrora impensada para grande parte da população: a aquisição de produtos estrangeiros sem a necessidade de viajar ao exterior.
Atraídos pelos preços muito inferiores aos praticados no Brasil, cada vez mais os consumidores se aventuram em sites de lojas no exterior.
Não obstante, trata-se de um verdadeiro negócio de risco.
A priori, disciplina o Código de Defesa do Consumidor que as ações que envolvam relações de consumo têm como foro o domicílio da parte hipossuficiente, ou seja, o consumidor.
Ocorre que, no caso da existência de vício non produto e serviço, embora a ação possa ser proposta no domicílio do consumidor, vários obstáculos deverão ser superados para que o Código de Defesa do Consumidor tenha eficácia.
Em primeiro lugar existe o obstáculo da necessidade de expedição de Carta Rogatória para a citação do fornecedor, que deve obedecer todos os trâmites legais para sua expedição e cumprimento, o que, per se, já burocratiza em demasia o procedimento.
Anda que se consiga efetivar a citação do fornecedor no estrangeiro, a própria legislação brasileira possui óbices sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, conforme prevê o artigo o artigo 9º do Decreto Lei 4.657/42, com as alterações que lhe foram dadas pela Lei Federal 12.376/10, in verbis:
“Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituirem.
§ 1º Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.
§ 2º A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente.”
Ou seja, ainda que se obtivesse êxito na citação do fornecedor no exterior, ainda haveria dúvidas acerca da legislação aplicável à espécie.
Neste aspecto, uma das questões mais relevantes do Direito com o advento da internet: onde se constituem as obrigações de contratantes residentes em países diferentes, que celebraram o negócio jurídico pela rede mundial de computadores? Onde seria o lugar do negócio jurídico?
Nota-se, portanto, que existem lacunas não preenchidas no Código de Defesa do Consumidor no que toca às compras efetuadas em sites de fornecedores estabelecidos no exterior, sem representação no Brasil.
Ocorre que tais lacunas não podem ser preenchidas unilateralmente por um país, sendo necessária uma cooperação internacional a fim de que sejam criadas regras internacionais para o comércio eletrônico, uniformizando a legislação de forma que as relações comerciais entre consumidores de um país e fornecedores de outro saiam da lacuna legislativa ora existente.
3.3. DO COMÉRCIO EM SITES DE LEILÃO
Outra modalidade de comércio eletrônico que tem se expandido muito nos últimos anos é a compra e venda através de sites de leilões.
Tais sites funcionam como verdadeiros intermediadores entre fornecedores e consumidores, cobrando, inclusive, tarifas para a publicação de anúncios e percentual sobre o valor das vendas.
Existe também a possibilidade da compra e venda realizar-se entre dois consumidores, não caracterizando, necessariamente, uma relação de consumo.
No Brasil, o maior destes sites de leilões é o Mercado Livre (www.mercadolivre.com.br), com cerca de 56 milhões os usuários registrados no ano de 2011.
No site, é possível tanto que lojistas e fornecedores anunciem seus produtos ao público consumidor, seja para fins de venda direta ou leilão de produtos, arrematados pela maior lance em um determinado espaço de tempo, como também para que usuários não fornecedores possam também comercializar produtos, novos e usados.
Assim, de início vislumbra-se que dentro da mesma plataforma ocorrem transações caracterizadas como relações de consumo, entre fornecedores e consumidores, mas também simples relações mercantis, que não se encontram amparadas pelo Código de Defesa do Consumidor.
No que toca à relação entre os consumidores e fornecedores de produtos e serviços publicados na plataforma, não há dúvidas que se aplicam todas as regras consumeristas, ainda que com as mesmas restrições existentes no que toca à compra e venda direta no site dos fornecedores.
Resta a dúvida, no entanto, se o Código de Defesa do Consumidor aplicar-se-ia também à empresa que gerencia a plataforma de compras e vendas virtuais com relação às transações realizadas entre o consumidor e o fornecedor.
Muito embora o site de leilões não interfira diretamente na negociação realizada entre as partes, é inequívoco que lucra com todo anúncio veiculado, bem como com qualquer venda concretizada.
Poderia o site de leilões em território nacional, portanto, estar sujeito às disposições do Código de Defesa do Consumidor no caso de vício do produto ou do serviço prestado por terceiro que anunciou na plataforma?
Alguns tribunais pátrios já se manifestaram acerca da matéria, como a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, que manteve uma sentença que condenou o Mercado Livre a indenizar um consumidor que comprou, porém não recebeu o produto.
Segundo o site Consultor Jurídico “em seu voto, o desembargador Jones Figueirêdo afirmou que o Mercado Livre.com mantém site na internet, através do qual disponibiliza espaço para o anúncio de produtos e atua intermediando negócios entre anunciantes e consumidores, sendo, portanto, parte legítima para figurar no pólo passivo da presente demanda”[2]:
Segundo o referido site, foi o seguinte o fundamento da decisão:
“A empresa intermediadora, embora não participe diretamente da negociação, disponibiliza o espaço virtual e cadastra os anunciantes dos produtos, sendo sua atuação decisiva para a conclusão dos negócios celebrados entre as partes, inclusive auferindo lucro dessas transações. Por tal conduto, o controle sobre quem vai anunciar neste espaço é de inteira responsabilidade da apelante (Mercado Livre). Em ser assim, sua condição de intermediadora não a exime de responder por eventuais danos decorrentes dessa atividade.”
Ou seja, entendeu o Magistrado que por se tratar de um intermediário que aufere lucros com as transações realizadas entre as partes, faria parte da cadeia da relação de consumo, sendo parte legítima para figurar no pólo passivo da demanda.
Também o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, reconhecido pela vanguarda de suas decisões, já considerou o Mercado Livre responsável pelas negociações realizadas em suas plataformas.
O site, segundo o Desembargador Relator:
“(...) organiza o sistema de lances, indica a qualificação dos usuários como mais ou menos confiável com pontuação por negócios concretizados, intermedia conflitos entre compradores e vendedores, como inclusive ocorreu no caso debatido, e também garante, atualmente, indenização limitada a um valor arbitrado quando uma das partes é prejudicada na negociação, baseado o valor da indenização na qualificação do usuário.
..............................................................................................................” O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: (Omissis) II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam”.[3]
O sites de leilões, por sua vez, alegam que seu papel nas relações travadas em suas plataformas seria a mesma que os classificados de um jornal impresso, ou seja, somente hospedariam as ofertas, não podendo ser responsabilizados pela concretização ou não das negociações.
Argumento contrário é no sentido que diferentemente do anúncio do jornal, que somente veicula a oferta, nas plataformas dos sites de leilões toda a negociação seria realizada dentro daquele ambiente, com a suposta garantia nele existente.
E esta é a tese que, embora ainda não consolidada nos tribunais pátrios, vem ganhando força entre os julgadores.
Desta forma, muito embora os sites de leilões não participarem diretamente das negociações de compra e venda entre seus usuários entende-se que se enquadram no conceito de fornecedor, uma vez que auferem lucros com as negociações realizadas entre as partes, além de conferirem, ao menos aparentemente, uma imagem de segurança para os contratantes.
A lacuna existente no Código de Defesa do Consumidor quanto ao papel exercido pelos sites de leilões, portanto, é apenas aparente, uma vez que a jurisprudência tem admitido que embora não participem diretamente da transação comercial, podem, sim, ser considerados fornecedores, respondendo pelo vício do produto ou serviço.
3.4. DO COMÉRCIO EM SITES DE COMPRA COLETIVA
A mais recente modalidade de comércio eletrônico no Brasil é aquela realizada através de sites de compras coletivas, que começaram a atuar no mercado nacional a partir do final do ano de 2009.
Nestes sites, os fornecedores anunciam um produto ou serviço, geralmente a um preço mais convidativo que o de mercado, a fim de que os usuários do site deem lances nos mesmos em um período de tempo determinado.
Atingido neste período de tempo o número mínimo de lances pré estipulado pelo fornecedor, todos os consumidores cadastrados no site que o fizeram terão direito de adquirir o produto ou serviço pelo preço da oferta.
Este número mínimo de lances estipulado pelo fornecedor tem como objetivo que o desconto no valor do produto ou serviço anunciado seja compensado pelo número de adquirentes.
Assim como nas relações de consumo nos sites de leilões, não há dúvidas no que toca à responsabilidade do fornecedor dos produtos ou serviços.
Não obstante, se enquadraria o site de compras também como fornecedor nesta relação?
O site de compras coletivas, assim como o site de leilões, cobra do fornecedor do produto e do serviço pela veiculação da oferta, além de uma taxa de publicidade pelo anúncio.
Assim, o serviço prestado pelo site de compras coletivas, além da intermediação da compra e venda, é também de publicidade do produto, do serviço e do fornecedor, mormente em se considerando que diferentemente do site de leilões o número de anúncios é exponencialmente menor, o que gera maior visibilidade.
Além disto, também diferentemente do que ocorre no site de leilões, é a empresa que gere o site de compras quem recebe o pagamento pelo produto ou serviço ofertado, sendo que é repassado para o consumidor um crédito, geralmente denominado de “coupon”, que é utilizado junto ao fornecedor de serviços.
Além disto, em não raras vezes, é também o site de compra coletiva quem faz a intermediação da entrega da mercadoria, negociando diretamente com o fornecedor prazos e condições.
O próprio site de compras coletivas, em sua política de uso e privacidade, também apresenta diversas normas gerais para as promoções apresentadas.
Assim, ainda mais que nos sites de leilões, a empresa que gerencia o site de compras coletivas deve sim ser equiparada ao fornecedor dos produtos e serviços, uma vez que faz a intermediação direta das transações, o que somente ocorre de forma indireta nos sites de leilões, que, como se disse, já estão sendo equiparados a fornecedores pela jurisprudência pátria.
A par de que não esteja fornecendo diretamente o produto ou serviço, o site de compras coletivas assume papel de verdadeiro intermediário ativo da transação, interagindo entre consumidores e fornecedores no sentido de que a negociação seja efetivamente concretizada.
3.5. DO COMÉRCIO PEER TO PEER
O comércio eletrônico peer-to-peer, também conhecida como C2C, abreviação simplificada de Consumer to Consumer é aquela onde uma plataforma como um site de leilões é utilizada para negócios realizados entre consumidores, ou seja, pessoas físicas ou jurídicas que não podem ser considerados fornecedores.
Trata-se de comércio realizado entre pessoas físicas ou jurídicas que, eventualmente e de forma não habitual, vendem um produto, novo ou usado, utilizando-se das plataformas dos sites de leilões, como vendedores ocasionais.
À princípio, tratando-se de compra e venda realizada entre particulares, sem que nenhum deles possa ser considerado um fornecedor, não é aplicável à negociação as normas do Código de Defesa do Consumidor.
Não obstante, assim como nas negociações envolvendo fornecedores, os sites de leilões que fomentam o comércio peer-to-peer também lucra com os negócios realizados por particulares.
Desta forma, ainda que não haja previsão específica no Código de Defesa do Consumidor, entende-se que o site que fomenta este tipo de comércio, inclusive recebendo comissão pelos negócios realizados, deve, sim, ser responsável por eventuais vícios no produto ou serviço.
Desta forma, seja entre particulares, ou seja, entre fornecedor e consumidor, entende-se que ainda que o Código de Defesa do Consumidor não possua uma normatização específica para este tipo de atividade, o site de leilões que participa como intermediário na transação possui responsabilidades, podendo ser acionado no caso de existência de vício no produto ou serviço.
Mister ressaltar que o comércio peer-to-peer pode ocorrer também sem a intervenção de um site como plataforma.
Trata-se daquele comércio realizado através da troca de arquivos por meios digitais, através de e-mail ou programas específicos para este fim.
Muito embora a imagem deste tipo de transação esteja bastante associada à pirataria, fato é que ainda existe, mesmo que em menor escala, um comércio que sobrevive neste meio.
Nestes casos, tendo em vista a inexistência de qualquer intermediário e tratando-se de negócio jurídico realizado entre particulares, não são aplicáveis as normas consumeristas.
Há que se ressaltar, ainda, que podendo os contratantes encontrar-se estabelecidos em países diferentes, deverão ser observadas as regras de direito internacional para que seja definida a legislação aplicável a este modalidade comercial.
4. PROJETOS LEGISLATIVOS SOBRE COMÉRCIO VIRTUAL
O exponencial crescimento do comércio eletrônico e virtual tem sido objeto de estudos pelos legisladores, que a fim de sanar as lacunas existentes nesta modalidade comercial já apresentaram projetos de lei a respeito.
Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 1.589/99, que dispõe especificamente sobre o comércio eletrônico, a validade jurídica do documento eletrônico e a assinatura digital.
Em seu texto, nota-se a preocupação do legislador em tornar mais seguro o comércio eletrônico e virtual, bem como proteger os interesses do consumidor, conforme expressamente destacou o Deputado Federal Luciano Pizzatto, autor do projeto, em suas justificativas para a apresentação do mesmo: “não temos leis dispondo sobre o comércio eletrônico, o que parece fundamental, para criar a segurança jurídica imprescindível aos empresários e aos consumidores, para seu melhor desenvolvimento”.
Prossegue o Autor do projeto:
“O direito, (...) tem por uma de suas principais características o hiato temporal existente entre o conhecimento das mudanças sociais, sua compreensão, as tentativas iniciais de tratá-las à luz de conceitos tradicionais e, finalmente, a adoção de princípios próprios para regular as relações que delas resultam.
Essa característica, que tem o grande mérito de assegurar a segurança jurídica mesmo nas grandes revoluções sociais, encontra, porém, na velocidade com que a tecnologia as têm causado, também seu impacto, requerendo seja menor o tempo necessário para adoção de disciplina para as novas relações sociais.”
Levando-se em consideração que tais considerações foram elaboradas no ano de 1999, sendo que até o momento, em 2012, o comércio eletrônico ainda não possui uma regulamentação específica no Brasil, verifica-se a necessidade de que o mesmo seja aprovado na maior brevidade possível, antes que os avanços tecnológicos tornem obsoleta a letra da lei.
Entre os pontos que merecem destaque no Projeto de Lei n.º 1.589/99, pode-se citar o seu artigo 4º, que torna obrigatória a perfeita identificação do ofertante de produtos e serviços, o que certamente trará maior segurança às negociações.
Também prevê expressamente em seu artigo 13º que “aplicam-se ao comércio eletrônico as normas de defesa e proteção do consumidor”, tornando inequívoco o que a jurisprudência pátria já fez questão de pacificar.
Neste ponto, imperioso ressaltar que a regulamentação do comércio virtual não deve, nem pode, substituir as regras e princípios já contidos no Código de Defesa do Consumidor, devendo, tão-somente, aprimorá-las para esta modalidade negocial.
A responsabilização do intermediário, ou seja, aquele que oferta serviços de armazenamento de arquivos e fornece sistemas de compra e venda também foi abordada de forma clara no artigo 9º e seguintes, o que pode acabar com a lacuna hoje existente acerca de tais serviços.
Outro grande avanço no referido projeto de lei é a criação de normas claras acerca da força probante dos documentos eletrônicos, assim como a regulamentação da utilização da utilização de chaves públicas e privadas para conferir maior segurança ao comércio virtual.
Embora tais regras possam parecer singelas, mormente face aos grandes avanços tecnológicos ocorridos nos últimos anos, que incluem inclusive a identificação biométrica, é necessário que a legislação no Brasil avance neste campo ao menos para diminuir as lacunas existentes nas relações comerciais virtuais.
Outro Projeto de Lei que também aborda a questão do comércio eletrônico e virtual é o de n.º 4.906/01, de autoria do Deputado Federal Lúcio Alcântara.
Inicialmente, em seu artigo 3º, informa a importância de que as leis que regem o comércio eletrônico possuam um caráter universal, de forma que haja uma uniformidade em sua aplicação.
Para tanto, dispõe em seu artigo 4º que as questões que não estiverem expressamente tratadas em seu texto deverão ser examinadas à luz dos princípios gerais que norteiam o comércio eletrônico, que de acordo com o legislador seriam:
“I - facilitar o comércio eletrônico interno e externo;
II — convalidar as operações efetuadas por meio das novas tecnologias da informação;
III - fomentar e estimular a aplicação de novas tecnologias da informação;
IV — promover a uniformidade do direito aplicável ã matéria; e
V - apoiar as novas práticas comerciais.”
Nota-se, portanto, a intenção do legislador em não exaurir o tema na própria lei, atraindo a aplicação de outros princípios, que menos sujeitos ao decurso de tempo tendem a dar eficácia à norma.
Outra inovação importante trazida pelo referido projeto de lei se refere às mensagens eletrônicas, estabelecendo não só os requisitos para a sua aceitação como forma de negócio jurídico, mas também sua eficácia no tempo e espaço.
Certamente este é o grande avanço que o projeto de lei 4.906/01 trará à legislação brasileira ase chegar a ser aprovado.
Ao estabelecer regras claras acerca da função, eficácia e força probante das mensagens eletrônicas na conclusão dos negócios jurídicos, será fechada uma lacuna que ainda traz grande incerteza nas transações virtuais.
Nota-se, portanto, que embora já estejam tramitando há muito tempo no Congresso Nacional, estando certamente um pouco defasados, os projetos de lei 1.589/99 e 4.906/01, se aprovados, representarão grande avanço na normatização do comércio eletrônico e virtual, uma vez que não somente fecham lacunas existentes na legislação pátria, mas também se complementam nas matérias neles abordadas.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É inequívoco que a internet e os meios virtuais trouxeram grandes inovações nas formas como os fornecedores e consumidores podem travar suas relações.
Não obstante, o Código de Defesa do Consumidor, que entrou em vigor em março de 1991, não contém normas específicas para estas novas formas de comércio, mormente porque quando de sua publicação a internet no Brasil ainda não estava acessível ao público em geral, o que somente ocorreu no final do ano de 1994.
Assim, verifica-se que muito embora os operadores do Direito venham se utilizando da analogia e costumes para enquadrar as novas formas de comércio virtual, é imperioso que o legislador atualize as normas, a fim de tornar claras as responsabilidades destes novos atores que representam papel importante nas relações comerciais travadas na internet.
Embora a jurisprudência pátria já caminhe a passos largos neste sentido, somente a atualização do Código de Defesa do Consumidor poderá trazer o respaldo necessário para que o consumidor se sinta mais seguro com relação ao comércio virtual.
Enquanto a norma não for clara e precisa no que toca à responsabilidade de todos os envolvidos nesta nova e promissora forma de se travar relações jurídicas, ainda permanecerão lacunas que somente poderão ser solucionadas pelo Poder Judiciário quando instado a se manifestar sobre os casos concretos levados ao seu conhecimento.
Assim, muito embora a hipossuficiência do consumidor esteja sendo agraciada com a boa vontade do julgador em resguardar seus direitos, é necessário que a legislação seja modificada a fim de prever tais situações, a fim de não deixa-las ao livre arbítrio dos juízes.
Além disto, é imperioso que se crie uma cooperação internacional a fim de estipular regras universais para o comércio virtual, de forma que o conflito entre as legislações nacionais não seja utilizada pelos envolvidos como forma de se eximir do cumprimento de obrigações.
5. REFERÊNCIAS
BARBAGALO, Erica Brandini. Contratos eletrônicos: contratos formados por meio de redes de computadores peculiaridades jurídicas da formação do vínculo. Saraiva: São Paulo, 2001,
BETTI, Renata. VEJA: Agora a liquidação é em casa. 2.204. Ed. São Paulo: Editora Abril, 2011.
DENARI, Zelmo. Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 10ª. Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011.
FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 5ª. Ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2003.
OLIVEIRA, Juarez de. Teoria Geral dos Contratos Eletrônicos. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003.
[1] STJ - REsp 982.492/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 27/09/2011, DJe 17/10/2011
[2] Em: < http://www.conjur.com.br/2011-jun-08/mercado-livre-pagar-indenizacao-cliente-nao-recebeu-produto> Acesso em: 08 de junho de 2012
[3] Em: <http://www.internetlegal.com.br/2010/07/site-de-leiloes-e-condenado-a-indenizar-por-celular-nao-entregue/> Acesso em 08 de junho de 2012
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