por André Moragas
“O conhecimento é o seu passaporte para o sucesso”. Essa frase, ou uma variável bem próxima dela, foi usada recentemente como slogan de uma entidade de ensino do Rio de Janeiro. E lembro que, em outros formatos, também foi repetida diversas vezes pela geração dos meus pais para nós, filhos. É claro que não há como discordar dessa afirmação, mas nos dias atuais faço questão de deixar claro que o tal “passaporte” só garante a entrada. Se fosse reescrever a frase para a realidade do mercado hoje seria algo do tipo: “o conhecimento te garante o visto no passaporte, mas a passagem pela alfândega só o relacionamento tácito”.
E é justamente isso que acontece hoje nos corredores do mundo corporativo. Não dá para contar mais só com o conhecimento. Ainda mais em um mercado no qual esse conhecimento virou commodity e se adquire com extrema facilidade. Onde os currículos chegam com três MBAs, duas pós-graduações, quatro línguas e o sujeito tem apenas 27 anos. Ou seja, ensino superior e inglês já estão para lá de default (ou démodé). A questão que se apresenta é a de que todo esse conhecimento (técnico e teórico) não garante mais o sucesso dentro das empresas. Ele garante apenas a entrada no mundo corporativo, cada vez mais competitivo. O que garante o sucesso é justamente o que está faltando nos profissionais que estão chegando agora: relacionamento tácito.
Entenda-se por relacionamento tácito aquele que é baseado na empatia entre as pessoas, nas histórias de vida, nos comportamentos que cada um adota no trato com as pessoas. Esse mundo tático é que afeta e dita hoje o comportamento das corporações, a relação entre as pessoas dentro da empresa e, por fim, as tomadas de decisões.Saber lidar com as pessoas, influenciar os relacionamentos e as interações, gerenciar crises e confrontos, mediar conflitos.
Esse “conhecimento” não se adquire nas bancas de estudo, mas no dia a dia, vivendo as situações e aplicando o famoso “bom senso”. O problema é que, com tanto preparo técnico, os profissionais que estão chegando ao mercado ou não tiveram tempo de “aprender a viver”, ou se acham tão bons (com seus diversos diplomas) que acabam construindo a ilusão de que sozinhos se bastam, e não precisam investir no relacionamento com as pessoas.
O que ainda não sabem é que o mundo mudou e eles (os profissionais dessa nova era) ainda estão repetindo o modelo passado de sucesso. Aquele no qual quem tinha uma faculdade e um MBA era, no mínimo, diretor da empresa. Pois bem, o mundo não só mudou como hoje dá muito mais valor ao comportamento do que à competência. E quanto mais se sobe no organograma das organizações, mais se gasta tempo com questões tácitas (gestão de pessoas, reuniões, motivação da equipe, liderança de desiguais).
O estranho é pensar que essa mudança se deu praticamente pelo mesmo caminho pelo qual esses profissionais tem acesso a cada vez mais conhecimento:pela conectividade. Com essa globalização de informações, tudo é muito mais rápido (os problemas e as soluções). Essa rapidez está mudando a forma como nos relacionamos com o nosso entorno e como resolvemos as questões que se põem à nossa frente.
O aumento do número de fontes de informação também contribui muito. No passado as pessoas tinham praticamente três canais de televisão, a escola, a família e amigos como fontes de informação. Essa realidade acabava gerando uma uniformidade de percepções do mundo. Hoje, a diversidade das fontes de informação cria referências diferentes e forma pessoas diferentes. O lado bom dessa história é que, se todos pensam diferente, a geração de novas ideias impulsiona um mercado cada vez mais inovador (com ideias que se completam). O problema é que, se você cria mais variáveis no sistema, também gera mais incertezas e, por consequência, mais conflitos.
A verdade é que estamos hoje construindo uma sociedade inédita. Coisas que nunca aconteceram antes afloram nesse mundo novo. Um bom exemplo é a origem do motoboy em São Paulo. Reza a lenda que um dia alguém precisava entregar uma encomenda com rapidez e o office-boy, que tinha uma moto, se ofereceu para o serviço. Superada a inovação inicial, a pergunta que surge é: como resolver o problema dos motoboys em São Paulo hoje? Um problema inédito, que nós mesmos alimentamos, e que necessita de uma fórmula inédita.
E para enfrentar esse tipo de problema inédito, criando uma solução inédita, precisamos de mais gente pensando juntas. Interagindo com suas novas ideias e percepções. Mas como fazer isso se as pessoas não estão aprendendo a se relacionar. É justamente aqui que está o hiato que vivemos hoje dentro do mundo corporativo.
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