1) A locação de imóvel urbano é regida pela lei 8.245/91, aperfeiçoada pela lei 12.112/09. Diferentemente, a locação de coisas é regida pelo Código Civil. O regime jurídico de uma e outra espécie de locação é distinto.
2) Os contratos, de maneira geral, devem se extinguir com o cumprimento das obrigações neles previstas. Porém, em determinadas circunstâncias, a extinção ocorre sem o cumprimento, parcial ou total, de seu fim. Com a locação, que é espécie de contrato, verifica-se o mesmo fenômeno. São causas de extinção da locação, dentre outras: o inadimplemento de uma das partes, o perecimento do objeto, a desapropriação do imóvel locado, o distrato, etc.
3) Há 3 espécies de locação de imóvel urbano: a residencial, a não residencial e a de temporada.
4) Quando o locador de imóvel urbano pretende romper, unilateralmente, o vínculo locatício e, com isso, a retomada do imóvel, deve manifestar a sua vontade por meio da denúncia, que é uma espécie de notificação, dirigida ao locatário. Diz-se que a denúncia é cheia quando o locador justifica a sua pretensão de retomada do bem com uma das razões contidas na lei, no art. 47 da lei 8.245/91 (ex: uso próprio, falta de pagamento de aluguel, infração contratual, etc). Se não existir razão alguma para a retomada, a não ser a intenção, pura e simples, de reaver o bem locado, a denúncia é chamada de vazia, ou seja, imotivada, destituída de qualquer justificativa específica contida na lei.
5) Enquanto a locação vige por prazo determinado, o locador não pode pretender a retomada do imóvel por denúncia vazia, ainda que se disponha a pagar a multa contratual. E qualquer cláusula contratual que afaste essa regra é nula de pleno direito (art. 45 da lei 8.245/91). Também não é toda causa de “denúncia cheia” que autoriza a retomada do bem, enquanto o contrato vige por tempo determinado. Por exemplo, o locador não pode pretender o despejo para uso próprio nesse período, mas se a causa da pretensão for a falta de pagamento do aluguel (ou outra infração contratual praticada pelo locatário), o despejo é possível, observadas as regras da lei (ex: se a causa for a falta de pagamento, deve ser atribuído ao locatário o direito de purgar a mora).
6) Em algumas circunstâncias, mesmo quando o prazo do contrato se esgota, não pode o locador pretender a retomada do bem por denúncia vazia, o que, em princípio, pode parecer um contrassenso, mas não é. A lei 8.245/91 pressupõe a vulnerabilidade do locatário frente ao locador; por isso lhe confere maior proteção.
7) Sendo a locação para fins não residenciais, qualquer que seja o prazo estipulado no contrato, com o seu término, o locador pode requerer o imóvel por denúncia vazia.
8) O mesmo ocorre com a locação para temporada (que não pode ser ajustada por prazo superior a 90 dias). Terminado o prazo contratado, o locador pode reaver o bem imotivadamente. Apenas deve ficar atento para fazê-lo em até 30 dias após o término do prazo contratual, pois, se não o fizer, a locação para temporada prorroga-se compulsoriamente por prazo indeterminado e a denúncia vazia só poderá ser apresentada depois de 30 meses, a contar do início do contrato.
9) Sendo a locação residencial, a denúncia vazia somente tem cabimento se o contrato tiver sido ajustado por prazo igual ou superior a 30 meses, sempre ao fim de sua vigência. Mesmo que haja prorrogação por prazo indeterminado, a qualquer tempo o locador pode apresentar denúncia vazia, concedendo 30 dias ao locatário para proceder à desocupação do imóvel. Entretanto, se a locação for ajustada verbalmente, ou por escrito e com prazo inferior a 30 meses, o locador não poderá apresentar denúncia vazia com o término do contrato. Somente tem cabimento a denúncia cheia. Nesse caso, a denúncia vazia terá lugar apenas depois de 5 anos de vigência ininterrupta do contrato. A lei induz, com isso, o locador a celebrar locações residenciais com prazo igual ou superior a 30 meses (dirigismo contratual).
10) Há incongruência da lei, se comparada a locação para temporada que se prorroga por prazo indeterminado com a locação verbal ou a ajustada por prazo inferior a 30 meses. No primeiro caso, a lei permite o despejo por denúncia vazia após 30 meses; no segundo, apenas depois de 5 anos.
11) É importante atentar para a locação em que figura como locatária uma pessoa jurídica, porém, com o objetivo de destinar o imóvel a residência de seus sócios, gerentes, executivos, etc. Nesses casos, apesar de a locação ter, na realidade, fins residenciais, a lei as equipara às locações não residenciais (art. 55). Portanto, não é necessário que o contrato seja celebrado pelo prazo mínimo de 30 meses para o locador poder apresentar denúncia vazia, ao término de sua vigência.
12) Há situações excepcionais em que se permite, não ao locador mas sim àquele que o sucede, o despejo por denúncia vazia, mesmo quando o contrato vige por prazo determinado. É o caso do adquirente de imóvel locado (desde que não conste cláusula de vigência da locação em caso de venda e seja averbado na matrícula do imóvel). A mesma coisa ocorre com o usufruto e fideicomisso. Por exemplo, se a locação foi feita pelo usufrutuário, na qualidade de locador, com a extinção do usufruto, o nu-proprietário consolida a posse do bem em suas mãos e não é obrigado a suportar a locação celebrada pelo usufrutuário se a ela não anuiu. Tal consequência não se aplica no caso de morte do locador. Os seus sucessores devem respeitar a locação da mesma forma que o locador originário.
13) Por fim, nas locações que tenham como locatários hospitais, unidades sanitárias oficiais, asilos, estabelecimentos de saúde e de ensino autorizados e fiscalizados pelo poder público, entidades religiosas devidamente registradas, o locador jamais poderá apresentar denúncia vazia. Mesmo que o contrato esteja vigendo por prazo indeterminado por bastante tempo. Trata-se de situação que, de certa forma, engessa o locador e limita o direito de propriedade, em homenagem ao interesse coletivo e social que há nessas atividades desenvolvidas pelo locatário. Em tais casos, somente cabe denúncia cheia, de acordo com o que prescreve o art. 53 da lei 8.245/91.
Autor: Adriano Ferriani é professor de Direito Civil e chefe do departamento de Direito Civil, Direito Processual Civil e Direito do Trabalho da PUC/SP.
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