Propaganda e jornalismo são irmãos siameses que nasceram nas praças da cidade antiga. No ambiente populoso da ágora, do mercado, das praças onde a cidade se reunia para comprar, vender e saber das últimas. Ali circulavam as notícias e, junto com elas, os pregões dos vendedores de produtos artesanais ou das safras agrícolas.A notícia passada oralmente, o próprio boato na ausência de fatos, foram as origens do jornalismo. E o exagero dos vendedores, apregoando qualidades que muitas vezes os produtos não tinham, foi a origem da publicidade moderna. Juntos, as notícias e os reclames atravessaram os séculos enquanto aprimoravam suas técnicas e seus veículos, às vezes sua própria ética.
Ambos viveram, sempre juntos, as mesmas revoluções: a de Gutenberg, que ampliou os olhos e a inteligência da humanidade; séculos depois, a do Rádio e a da Televisão e, hoje, a revolução da grande rede mundial de computadores – a Internet, uma mídia que surgiu caótica e indisciplinada mas com o poder de alterar os sistemas tradicionais de comunicação e a própria distribuição dos produtos de consumo.
O tipo móvel mudou a face do mundo e criou as condições para a revolução industrial, ampliando o alcance da informação. Os meios eletrônicos e os computadores desempenham papel semelhante numa revolução que não sabemos onde vai terminar e qual o papel que verdadeiramente representa para a sociedade humana unificada na globalização.
As características principais das organizações sociais de hoje são contraditórias. Se de um lado a humanidade se une diminuindo e quase apagando as diferenças nacionais, dando origem a um único mercado mundial para todos os produtos, de outro o indivíduo nunca se isolou tanto. As grandes corporações globais encaram o mundo como uma única praça para seus produtos, porem as marcas que identificam esses produtos procuram influenciar o consumidor com uma comunicação cada vez mais segmentada e pessoal. Ao lado da clássica divisão por sexo, idade e classe social, praticada tradicionalmente pelos institutos de pesquisas, procura-se segmentar o mercado por estilos de vida, grupo familiar, desejos, gostos e ambições. Ou então mirar o próprio indivíduo na sua solidão compartilhada apenas com o computador, que se transformou em sua janela aberta para o mundo. O “marketing de relacionamento”, ferramenta que se encontra na ordem do dia, pretende simplesmente atingir o consumidor de forma direta, na sua própria individualidade, em seu próprio universo pessoal.
O jornalismo segue trilha paralela que a todo momento se confunde com a da publicidade. Os jornais do século passado e do princípio deste, até a Segunda Guerra, opinativos, políticos, provincianos e generalistas, foram substituídos por jornais segmentados, dirigidos a públicos determinados, muito bem identificados. Passaram a ser tratados como produtos e vendidos dentro dos princípios e técnicas do marketing contemporâneo. Os grandes e melhores jornais, antes tão austeros, procuram aumentar suas vendas como sempre fizeram os refrigerantes – lançando mão de promoções, prêmios, brindes e vantagens diversas oferecidas a seus consumidores. Os chamados anabolizantes. George Washington e Líbero Badaró foram definitivamente enterrados.
Os irmãos siameses enfrentam os anos de crise inaugurados no princípio dos anos oitenta, quando de repente os consumidores deixaram de comprar tudo o que se produzia e os supermercados estavam lotados de marcas de produtos que não giravam na rapidez desejada.
A crise econômica começou quando terminaram em todo o mundo os dias em que se vendia qualquer coisa. A era de vendas crescentes deu lugar à do marketing atilado que tem de ser eficiente em todos os setores. Tornou-se cada vez mais necessária a habilidade de identificar novas tendências de consumo e desenvolver o mercado apresentando o produto certo, no momento certo, no lugar certo.
Cada vez mais e com maior eficiência foi preciso pesquisar o produto e pesquisar o mercado, analisar com inteligência os riscos envolvidos, planejar de forma criativa, fazer testes e promover adequadamente. A propaganda tornou-se elemento crucial do marketing mix, um item muito caro no investimento das marcas para preservar e ampliar sua participaçäo num mercado superlotado.
Os jornais e, principalmente, as revistas se diversificaram em veículos que representam novas descobertas, nichos propícios, segmentos sociais, novas técnicas de difusão. Buscam aumentar o seu faturamento nas bancas e ampliar a venda dos espaços publicitários, que representa oitenta por cento da sua receita. Do croché aos aviões, passando pelo erótico e o religioso, a quantidade de títulos expostos numa banca de jornal representa o alto grau de segmentação a que as revistas chegaram. O rádio luta pela sobrevivência, quase completamente dominado e sustentado pelo fervor religioso dos humildes ou descobrindo o caminho das redes nacionais, que exigem grandes investimentos para um retorno duvidoso.
A TV, que relativamente dedica pouco tempo ao noticiário, amplia sua participação como entretenimento desenvolvendo linhas de show, filmes e novelas ou então programas que não se sabe exatamente a que gêneros pertencem. Ratinho é jornalismo?
A publicidade também se diversifica. Dos orçamentos publicitários, sobra cada vez menos para a mídia tradicional. As agências se reciclam para oferecerem amplos cardápios de serviços enquanto vêem sua receita diminuir.
Os problemas de mercado, que há bem pouco tempo eram resolvidos com campanhas de propaganda em veículos de massa, contam hoje com recursos mais diversificados que competem entre si por maiores porções do investimento publicitário. A promoção do produto no ponto-de-venda cresce sua participação nos orçamentos, assim como a promoção de eventos, o merchandising, o marketing direto, as RP e os diversos recursos da “new media” inaugurada pelos computadores.
Os anunciantes clamam pelo que chamam de “mídia criativa”, expressão que pode ser traduzida como o desejo de menor dependência da televisão, que acaba ficando com mais da metade do que se investe em propaganda no Brasil. O que se explica com o baixo preço por mil espectadores que a TV oferece, em face das largas audiências de seus programas .
Os chamados birôs de mídia também vão chegar ao Brasil, apesar da oposição que estão sofrendo. É questão de tempo, porque a opção brasileira pela globalização determina a aceitação das tendências mundiais – as boas ou as muito ruins. A ameaça representada pelos birôs de mídia explica-se porque eles criam a presença dominante do investimento financeiro nos espaços publicitários. A mídia transforma-se numa “commodity”. E, como toda mercadoria, vai ser comercializada nas circunstâncias do mercado, sofrer especulações em mercados futuros e cumprir ciclos de valorização e desvalorização.
Um dependendo do outro para a própria sobrevivência, o jornalismo e a publicidade, como irmãos siameses, estão unidos no mesmo destino, às vezes se odiando, jamais se amando, mas sabendo sempre que se um deles der um passo numa determinada direção o outro será forçado a fazer o mesmo.
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