ANTONIO PRATA
Se o porre é uma falsa euforia, o dia seguinte é uma depressão induzida, um passeio pela melancolia
Hoje é dia 28 de dezembro e, portanto, há grandes chances de que você esteja de ressaca. Talvez, deitado na cama, olhe agora para o teto e tente recordar, em meio às nuvens negras da memória e ao ensurdecedor tique-taque do relógio, qual é exatamente a parte da noite passada que o faz sentir-se tão miseravelmente envergonhado. Terá ligado para alguma ex-namorada às duas da manhã? Comprado um aparelho de ginástica e um grill elétrico na Polishop? Ou será que cantou "Maria, Maria" à capela na festa da firma?
Há quem diga que a ressaca é a prova fisiológica da existência de Deus: ao gozo sucede-se a culpa, e aquele que dançou YMCA em cima da mesa, com a gravata amarrada na testa -ah, sim, é por isso que você se sente tão miseravelmente envergonhado-, está condenado a acordar com a boca mais seca que o pó do qual veio e ao qual voltará.
Discordo dessa abordagem masoquista. É possível encarar os desconfortos pós-etílicos de forma menos católica e mais, digamos, budista. Veja: há monges que vivem anos e anos em cima de uma montanha, sob o sol e a chuva, comendo arroz sem sal, em busca do Nada; e aí está você, com a mente absolutamente vazia -e, para atingir o Nirvana, precisou apenas de algumas horas e dez latinhas de cerveja! (Ou foram mais? Você não sabe, perdeu a conta lá pela sexta, principalmente depois que o Pedrão começou a pedir aquelas doses de... O que tinha mesmo naqueles copinhos?)
Este estranho estado da matéria, entre o sólido e o gasoso, certamente não é um dos mais aprazíveis que você já experimentou, mas quem disse que a vida é feita só de prazeres? Os espíritos aventureiros, os que sabem que para passar além do Bojador há que passar além da dor, aprendem a enxergar, entre as latejadas da cabeça e os espasmos estomacais, uma chance de aprimoramento pessoal.
Pois, se o porre é uma falsa euforia, o dia seguinte é uma depressão induzida, um passeio pela melancolia, um breve outono da alma: por que não admirar as folhas amareladas que você vê agora, através destes olhos inchados? Como já dizia o poeta, "pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza". Voilà!
Claro, é recomendável tomar cuidado para não afundar no "bocado de tristeza". Se você der ouvidos a todos os resmungos da ressaca, pode terminar acreditando que sua vida é uma sequência de maus passos sem nenhum sentido, que todas as pessoas são medíocres e mesquinhas, que o tique-taque do relógio é mais alto que o bate-estaca na construção de um arranha-céu. Calma. Tempere os excessos de negativismo com humor. O humor está para a alma ressaquenta como a limonada está para o corpo derrubado. Agarre o copo de suco com uma mão, a ironia com a outra e atravesse esse dia que ergue-se à sua frente como um tsunami.
Eu falei em budismo: acho que exagerei. Você não verá a luz no meio da ressaca -mesmo porque olhar para a luz não é das experiências mais recomendadas nesse estado-, mas, se souber encarar o lusco-fusco existencial de maneira pró-ativa, ou melhor, pró-passiva, pode sair dele trazendo, além das olheiras, alguns insights, um par de risadas, e, quem sabe, até um "samba com beleza". Coragem. Limonada. Humor. E boa sorte.
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