HÉLIO SCHWARTSMAN
SÃO PAULO - O diabólico Kindle, que faz com que eu carregue a Amazon inteira debaixo do braço, reduziu a frequência e o escopo de minhas visitas a livrarias físicas. Alguns dias atrás, porém, aquiesci aos caprichos de um de meus filhos e me deixei perder nos corredores de um grande varejista de São Paulo.
A surpresa não poderia ter sido mais agradável. A Editora da Universidade Federal do Pará lançou uma caprichada edição bilíngue dos diálogos de Platão. Não sou de rasgar elogios à toa, mas é coisa de Primeiro Mundo: capa dura de tecido, papel de 90g e, mais importante, o texto grego que corre ao lado da tradução brasileira página a página. De comparável, há coleções como a francesa Belles Lettres e a americana Loeb Classical, que tiveram início nas primeiras décadas do século 20.
A tradução utilizada foi a do sempre competente Carlos Alberto Nunes (1897-1990). Ele é, se quisermos, um clássico entre os tradutores. Dono de uma prosa límpida, privilegia a compreensão do original, sem perder-se em invencionices ou detalhes que interessam, sobretudo, a especialistas. Trata-se, portanto, de uma boa escolha para uma edição bilíngue, na qual as complexidades semânticas e sintáticas estão a poucos centímetros de distância, à disposição para a consulta de helenistas.
Mas basta de propaganda. Cada um dos Platões custa R$ 80. A coleção inteira, que terá 18 volumes, sairá por R$ 1.440, preço salgado para a maioria dos bolsos universitários. É um valor praticamente igual ao dos tomos da Belles Lettres (€ 35), mas muito superior ao dos volumes da Loeb, que ficam por US$ 24 (R$ 40).
Principalmente por falta de leitores, o livro no Brasil tem baixas tiragens e, por isso, sai caro. É a razão pela qual não abro mão de meu Kindle: com o mesmo quinhão do orçamento, adquiro muito mais títulos. Com isso, editores e livreiros brasileiros perdem mais um leitor. É o que os economistas chamam de círculo vicioso.
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