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segunda-feira

COMPOSTURA E CALDO DE GALINHA

Lya Luft

LYA LUFT*

Vejo no noticioso que estamos em último lugar quanto ao retorno,para cada cidadão, dos gigantescos impostos que pagamos mesmo num cafezinho. Em muitas coisas andamos lá na rabeira do mundo, mas parece que nosso ufanismo continua pulsante. Vai daí, acompanho meio distraída a celeuma em torno de alguma cena tórrida numa das camas do Big Brother, programa a que assisti há anos, quando ele se iniciava, achando bobamente que aquilo não iria durar. Depois, vi fragmento e ouvi comentários, o suficiente para notar que a vulgaridade se perpetua e torna sem que se perceba: fica natural. Há quem vá me achar antiquada, alienada, severa. Não imagino que a gente deva usar saia comprida, manga idem, feito freiras de antigamente. Detesto a antiga hipocrisia em assuntos sexuais. Naturalidade e liberdade são positivas, mas a gente não precisa exagerar... Precisamos, já grandinhas, usar saia tão curta que a maioria fica tentando puxar um centímetro mais para baixo, num desconforto idiota? Precisamos, homens e mulheres, fingir que sexo é só o que importa, ou em idade avançada expor peles murchas em profundíssimos decotes como se o tempo nos tivesse ignorado? Um pouco de recato é questão de higiene, dia uma amiga minha, jovem e sensata. Mas haja coragem para nadar contra a correnteza, em quase todos os assuntos e modismos deste nosso tempo.
Aí vem o tal programa BBB, que virou manchete, no qual um casal (nada original, pois a isso eu mesma assisti nos primeiros tempos) faz ou finge fazer sexo embaixo da coberta sabendo que é filmado. Nada novo, isso já se viu ali com alguns parceiros a mais na cama, ou no sofá espiando, pois, se é o olhar voraz do BB que tudo espreita, por que não? Alguém ousou reclamar, mas parece que a maioria achou tudo bobagem, todos estavam gostando, o povo espectador aplaudindo, por que não, por que não? Afinal, não somos tropicais, liberados, avançados, modernos, embora digam que somos Terceiro Mundo – ou exatamente porque somos?

"Minha esperança é que, apesar de tudo,
 se afirme e se espalhe a velha mania
do bom gosto e da compostura,
que, como caldo de galinha,
nunca fez mal a ninguém."

Não sei se progresso se mede pela vulgaridade. Não sei se avanço se calcula conforme a deselegância, e se ascender socialmente implica baixar as calças, levantar a saia, tirar o que sobrou do sutiã. Tenho dúvidas. Tenho insegurança a respeito do que representam essas drásticas mudanças, do antigo primeiro tímido beijo na boca cheio de encantamento e mistério, e esse ficar atual, muitas vezes ainda na infância, no qual vale quase tudo e meninas engravidam sem saber – e sem saber de quem – nesses falsamente inocentes joguinhos eróticos em salões de festa, quando a luz diminui, ou dentro de piscinas sem adulto por perto, ma com bebida.
Escrevi há tempos dois artigos dizendo que família deveria ser careta: cada dia me convenço mais de que toda a sociedade deveria ser um pouquinho mais careta. Com jovens menos pressionados a enveredar precocemente por uma sexualidade que ainda não é a deles nem psíquicas nem biologicamente. Com adultos que não precisam inventar uma modernidade fictícia, mas ser amorosos e responsáveis – mais naturalmente alegres, não tendo de se expor de corpo e alma, feito, diz minha amiga Lygia Fagundes Telles, “carne em gancho de açougue”. Essa aceleração no escrachado, no pretensamente liberado, essa ânsia de ser uma celebridade, de ser notado (não necessariamente amado), essa exigência de ter imediatamente um emprego bom, fácil, muito bem pago, e todas as sensações que o mundo (da fantasia) pode oferecer, depressa, logo, agora, não têm volta. Pois a construção de uma vida, uma profissão, uma pessoa, importo pouco diante da onde de caricaturas de mulheres, homens ou gays que invade nossas telinhas e respinga no nosso colo. E o mundo gira para a frente. Tudo está virando um grande cenário de reality show? Que reality, aliás? Pois não me parece que essa seja a realidade concreta. E é isso que alimenta minha esperança de que, apesar de tudo, se afirme e espalhe a velha mania do bom gosto e da compostura, que, como caldo de galinha, nunca fez mal a ninguém.
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* Escritora. Tradutora. Colunista da VEJA
Fonte: Revista VEJA impressa, ed. 2254, nº 5 - 01 de fevereiro de 2012.

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